Texto de Bráulia Ribeiro à Revista Ultimato edição nº 335
Ridicularizar a religião é hoje esporte popular. O irônico é
que até pastores e profissionais religiosos se especializam em maldizê-la. Não
sem razão, pois o estado atual do evangelicalismo brasileiro provoca náuseas.
Porém, a onda de revolta contra a religião não é apenas nossa. O debate, que
tem ar virtuoso, circula o Ocidente e é alimentado por vídeos virais e pelas
mídias sociais. O jovem que aparece em um vídeo no youtube, em uma praça,
dizendo que odeia a religião, mas ama Jesus tem jeito de herói.
Pergunto-me se existe mesmo virtude nessa conversa. Haveria
a possibilidade de dar alguma resposta a Jesus e ao seu amor sem que ela
tomasse uma forma social? O debate é, no mínimo, inócuo. Não conduz a nenhuma
atitude transformadora, mas a um orgulho excludente.
O Brasil de hoje precisa levar a sério a religião. Os
protestantes atuais, dados à iconoclastia e à difamação indiscriminada uns dos
outros, odeiam esta palavra e tudo o que se relaciona com ela. A verdadeira
espiritualidade vem sendo proclamada como uma abstração de tudo. Abstrai-se o
viver em comunidade, pois a forma igreja já não corresponde ao ideal; assim
como se abstrai o servir, o adorar, a mensagem da salvação e a Bíblia. Só eu e
você não somos abstraídos. Aliás, continuamos humanos e cheios de necessidades
não abstratas.
Temos de entender que a não forma é uma forma. Pregar um
evangelho sem forma cultural alguma, sem nenhuma proposta institucional, é
torná-lo vazio, irrelevante, incapaz de dialogar com a sociedade.
Se nos sábados à noite vamos à casa do Zé para beber vinho,
fumar charutos e discutir questões bíblicas, esta é a nossa igreja. Fumar
charutos e beber vinho passam a ser nossas práticas religiosas. A casa do Zé ou
da Maria se institucionaliza e se torna nosso “templo”. Assim é o ser humano,
assim se forma a cultura. É arrogante pensar que essa pseudo não forma é melhor
do que uma proposta atual ou histórica.
Quando entendemos a verdadeira natureza do evangelho,
percebemos que a religião cristã não é a grande inimiga. Antes, o vazio dela o
é. Jesus não pregou a rejeição às formas culturais da religião, mas a encheu de
graça e significado. Ao fazê-lo, virou o “establishment” religioso de cabeça
para baixo. Não porque os odiasse, mas porque os amava. Quando entendemos este
amor, passamos a colecionar as graças mais diversas encontradas por toda parte
e em todas as formas religiosas. Passamos a nos compadecer dos homens que
tentam reproduzir o sublime tanto nas igrejas-garagens como nas catedrais.
A graça se torna história coletiva e toma a forma da casinha
de madeira que hospedou a primeira Assembleia de Deus fundada no Brasil ou da
catedral Metodista, de concreto cinza, ainda imponente, e que diz ao bairro
Liberdade, em São Paulo: “Ele se importa”. A graça se torna memória nos hinos
antigos e coletiva quando sai de mim e é formalizada no plural, no serviço
religioso. Negar a importância dos símbolos, dos cheiros, dos sons da mensagem
sublime de Deus, manifesta na religião, é negar a nossa condição humana.
O Verbo se fez carne. Para que continue se fazendo carne
hoje, ele nos chama como somos: seres culturais. Seres que sinalizam a mensagem
divina por meio de ideias, rituais, hábitos, projetos arquitetônicos, propostas
de ressocialização, conversas, pregações, músicas, pinturas, esculturas. Tudo o
que faz parte da vida humana pode ser transformado em mensagem divina. Este
processo de divinização coletivizada se chama religião.
É preferível, então, se ter religião a ser religioso. O
religioso é aquele que faz da forma o seu deus. Pergunto-me se não é isto que
muitos dos que protestam contra a religião estão fazendo. O Deus que advogam é
tão pequeno que não pode se misturar à história e à sociedade humana e sair
incólume. Jesus é diferente. Senta-se humildemente na igreja-garagem ou
levanta-se com voz impostada para pregar nas catedrais, sempre ocupado em tocar
vidas.
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